sábado, junho 07, 2003

A regula��o dos servi�os de interesse econ�mico geral.

Como ficou dito a respeito da defesa da concorr�ncia a n�vel comunit�rio, a �rea dos servi�os de interesse econ�mico geral assume particular relev�ncia, tanto pelo melindre que o funcionamento menos eficaz das actividades desenvolvidas pode revestir, como pela dificuldade de conseguir um equil�brio est�vel entre observ�ncia das regras de disciplina do mercado e cabal desempenho da miss�o de interesse econ�mico geral. Nesta linha de pensamento, entende-se que as regras comunit�rias em mat�ria de concorr�ncia s�o em princ�pio aplic�veis integralmente �s empresas a que o Estado confiou o desempenho de servi�os de interesse econ�mico geral. Contudo, nos termos do disposto no n�2 do artigo 86� do Tratado CE, a aplica��o das regras do Tratado e, em especial, das regras em mat�ria de defesa da concorr�ncia, n�o podem constituir obst�culo ao cumprimento, de direito ou de facto, das miss�es particulares c onfiadas a tais empresas . Acresce que, nos termos do princ�pio da proporcionalidade consagrado no n�2 do artigo 86�, a aplica��o das regras do Tratado CE deve limitar-se � medida em que tal seja necess�rio ao cumprimento, por parte do agente econ�mico em causa, da miss�o espec�fica que o Estado lhe confiou.
Ora, a import�ncia dos servi�os de interesse econ�mico geral encontra-se sublinhada pela introdu��o do artigo 16� do Tratado CE pelo Tratado de Amesterd�o, que estabelece: � Sem preju�zo do disposto nos artigos 73�, 86� e 87�, e atendendo � posi��o que os servi�os de interesse econ�mico geral ocupam no conjunto de valores comuns da Uni�o e ao papel que desempenham na promo��o da coes�o social e territorial, a Comunidade e os seus Estados-Membros, no limite das respectivas compet�ncias e do �mbito de aplica��o do presente Tratado, zelar�o por que esses servi�os funcionem com base em princ�pios e em condi��es que lhes permitam cumprir as suas miss�es� .

A. Roque

sexta-feira, junho 06, 2003

Notas sobre a defesa da concorr�ncia no Tratado de Roma.

Se a pol�tica de defesa da concorr�ncia � um dos eixos essenciais da economia de mercado, � l�gica a sua import�ncia para a realiza��o do mercado interno, uma vez que este existe para possibilitar a concorr�ncia entre as empresas de todos os Estados-Membros e alargar o leque de escolhas poss�veis para os consumidores. A pol�tica comunit�ria relativa � concorr�ncia visa, pois, favorecer a efic�cia econ�mica, criando uma oportunidade crescente � inova��o e ao progresso tecnol�gico, ao mesmo tempo que evita ou restringe eventuais pr�ticas anticoncorrenciais que possam afectar a transpar�ncia e a fluidez das trocas entre agentes econ�micos.
De modo mais detalhado, podemos dizer que a pol�tica europeia da concorr�ncia deve garantir a unidade do mercado interno e evitar a monopoliza��o de quaisquer sectores, bem como acordos proteccionistas entre empresas . Outra preocupa��o patente na defesa comunit�ria da concorr�ncia � eliminar todas as formas de explora��o abusiva do poder econ�mico face a agentes econ�micos mais d�beis (abuso de posi��o dominante). Por �ltimo, a pol�tica europeia da concorr�ncia procura impedir que os Governos dos Estados-Membros falseiem as regras do mercado mediante aux�lios estatais .
Vejamos agora, ainda que de modo necessariamente breve, alguns dos aspectos previstos no articulado.
A este respeito, o n�1 do artigo 81� do Tratado CE pro�be os acordos e as pr�ticas concertadas entre empresas que �sejam suscept�veis de afectar o com�rcio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou como efeito impedir, restringir ou falsear a concorr�ncia no mercado comum�. Esta proibi��o � aplic�vel tanto a acordos horizontais (entre empresas no mesmo est�dio de produ��o, de transforma��o ou de comercializa��o) como verticais (entre empresas situadas em est�dios diferentes do processo produtivo). Acresce que alguns tipos de acordos s�o proibidos de forma directa, como sucede nos casos seguintes :
1) acordos horizontais ou verticais que fixam directa ou indirectamente os pre�os;
2) acordos sobre as condi��es de venda;
3) acordos destinados a isolar segmentos do mercado, designadamente no que se refere a redu��es de pre�os,
4) acordos sobre quotas de produ��o ou de fornecimento;
5) acordos relativos a investimentos;
6) estabelecimentos de venda comuns;
7) acordos de reparti��o do mercado;
8) mercados colectivos exclusivos;
9) acordos que implicam discrimina��es de parceiros comerciais;
10) boicote colectivo;
11) acordos de autolimita��o cuja finalidade consiste em renunciar a determinados actos de concorr�ncia.

Quanto aos abusos de posi��o dominante, o artigo 82� (ex-artigo 86�) do Tratado declara �incompat�vel com o mercado comum e proibido, na medida em que tal seja suscept�vel de afectar o com�rcio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posi��o dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste�. Ora, podemos definir posi��o dominante como uma situa��o de supremacia econ�mica de determinada empresa, situa��o essa decisiva para lhe permitir alterar a concorr�ncia efectiva no mercado em causa. Por outras palavras, essa empresa tem condi��es para influenciar de modo significativo os moldes em que tal concorr�ncia se desenvolver� e de agir sem ter em conta essa concorr�ncia.
No entanto, cabe sublinhar que s� h� abuso de posi��o dominante quando o comportamento de determinada empresa � suscept�vel de efectivamente influenciar o mercado em apre�o. De acordo com o dispositivo legal, s�o exemplos deste tipo de abusos :
1) impor, de forma directa ou indirecta, pre�os de compra ou de venda ou outras condi��es de transac��o n�o equitativas;
2) limitar a produ��o, a distribui��o ou o desenvolvimento t�cnico em preju�zo dos consumidores;
3) aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condi��es desiguais face a presta��es equivalentes;
4) subordinar a celebra��o de contratos � aceita��o, por parte dos contraentes, de presta��es suplementares que n�o t�m liga��o com o objecto desses contratos.

Em mat�ria de concentra��es, existe o Regulamento (CEE) n� 4064/89 , o qual estabelece que �devem ser declaradas incompat�veis com o mercado comum as opera��es de concentra��o que criem ou reforcem uma posi��o dominante de que resultem entraves significativos � concorr�ncia efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.�
Pode, pois, concluir-se que existe concentra��o quando uma empresa adquire o controlo exclusivo de outra empresa, ou quando v�rias empresas adquirem o controlo de outra ou criam uma nova empresa. � luz daquele Regulamento, a Comiss�o tem o poder de examinar as opera��es de concentra��o antes da sua realiza��o (acto de controlo pr�vio), a fim de determinar a sua compatibilidade com o mercado interno, tendo em conta a avaliz��o segundo determinados crit�rios, como sejam:
1) a determina��o dos mercados de produtos relevantes ;
2) a determina��o do mercado geogr�fico relevante; e
3) a aprecia��o da compatibilidade da opera��o de concentra��o em causa com o mercado interno em fun��o do crit�rio da posi��o dominante.

No tocante aos aux�lios estatais, o artigo 87� (ex-artigo 92�) do Tratado declara incompat�veis com o mercado interno �na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os aux�lios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, desde que falseiem ou ameacem falsear a concorr�ncia, favorecendo certas empresas ou certas produ��es�.
Ser� considerado como aux�lio estatal qualquer tipo de vantagem concedido pelos Estados desde que:
1) confira uma vantagem econ�mica ao seu benefici�rio;
2) seja atribu�do de forma selectiva a certas empresas ou a certas produ��es;
3) ameace falsear a concorr�ncia; e
4) afecte as trocas comerciais entre os Estados-Membros.

A proibi��o �, como se compreende pela amplitude das al�neas anteriores, aplic�vel a um grande n�mero de aux�lios, quer estes sejam directos ou indirectos e independentemente da forma que assumam . Ora, de acordo com esta perspectiva abrangente, a forma, o motivo e a finalidade do aux�lio n�o s�o determinantes para a sua proibi��o, antes relevando o seu efeito sobre a concorr�ncia. Nestes termos, n�o ser�o apenas vistas como aux�lios as presta��es positivas, mas tamb�m todas as medidas que visem reduzir os encargos financeiros da empresa benefici�ria, independentemente da forma de concess�o do aux�lio, a qual � irrelevente para o efeito
No entanto, o legislador comunit�rio tem a clara no��o de que seria quase imposs�vel pretender consagrar uma proibi��o absoluta dos aux�lios estatais. Com efeito, o artigo 2� do Tratado destaca como um dos objectivos da Comunidade a promo��o do desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades econ�micas em todo o espa�o comunit�rio; logo, e tendo em conta que o desenvolvimento econ�mico � ainda t�o vari�vel entre os diversos Estados-Membros (e mesmo entre regi�es no interior de alguns destes Estados), torna-se inevit�vel assumir a necessidade, ainda que pontual e bem alicer�ada, de interven��o dos Estados .
Temos, pois, que a Comiss�o deve garantir a total compatibilidade dos aux�lios atribu�dos pelos Estados-Membros com o mercado comum. Da� a previs�o contida no artigo 88� (ex-artigo 93�) do Tratado, segundo a qual os aux�lios devem ser notificados � Comiss�o e ser por esta aprovados previamente � respectiva execu��o .
J� no que diz respeito �s empresas p�blicas , bem como �s empresas a que os Estados-Membros concedem direitos especiais ou exclusivos, o n�1 do artigo 86� do Tratado vem proibir que estes tomem ou mantenham qualquer medida contr�ria ao mercado comum, nomeadamente em mat�ria de defesa da concorr�ncia (muito embora, atrav�s do n�2 do mesmo artigo, se encontre previsto que as empresas encarregadas da gest�o de servi�os de interesse econ�mico geral ou que tenham a natureza de monop�lio fiscal s� ficam submetidas �s regras da concorr�ncia na medida em que a aplica��o destas regras n�o constitua um entrave ao cumprimento da sua miss�o). Assim, e porque as regras comunit�rias em mat�ria de concorr�ncia s�o em princ�pio aplic�veis integralmente �s empresas a que o Estado confiou o desempenho de servi�os de interesse econ�mico geral, temos que, nos termos do princ�pio da proporcionalidade consagrado no n�2 do artigo 86�, a aplica��o das regras do Tratado deve limitar-se � medida em que tal seja necess�rio para ao cumprimento (por parte da empresa em causa) da miss�o espec�fica que o Estado lhe confiou .
Em mat�ria de procedimento, incumbe � Comiss�o velar pelo respeito das regras europeias da concorr�ncia, podendo actuar :
1) por iniciativa pr�pria,
2) na sequ�ncia de queixas dos Estados-Membros, de empresas ou de particulares;
3) na sequ�ncia de notifica��es de acordos por partes das empresas;
4) na sequ�ncia de notifica��es de aux�lios estatais projectados por um Estado-Membro.
Naturalmente, antes de tomar uma decis�o a Comiss�o ouve os interessados (empresas e/ou Estados-Membros), mediante audi��es realizadas para esse fim.
As empresas ou os Estados-Membros destinat�rios de uma decis�o da Comiss�o podem contest�-la perante o Tribunal de de Primeira Inst�ncia e o Trbunal de Justi�a das Comunidades .
O XXXI Relat�rio sobre a pol�tica de concorr�ncia da UE denota um ampla actividade nos tr�s principais dom�nios que aquela reveste, a saber: o controlo das opera��es de concentra��o de empresas , a ac��o antitrust e a fiscaliza��o do teor dos aux�lios prestados pelos Estados aos agentes econ�micos.
Na verdade, o objectivo declarado de �garantir que a concorr�ncia funcione sem distor��es, a fim de assegurar uma maior possibilidade de escolha aos consumidores, a inova��o tecnol�gica e a concorr�ncia a n�vel de pre�os� s� � vi�vel se as empresas optarem por pr�ticas de transpar�ncia e de leal concorr�ncia, em detrimento de quaisquer atitudes concertadas de deturpa��o do mercado ou de abuso de posi��o dominante.
Nestes termos, o citado Relat�rio sublinha a import�ncia da luta contra os cart�is, cuja exist�ncia � considerada fortemente lesiva do mercado, uma vez que �t�m por �nico objectivo reduzir ou eliminar a concorr�ncia, n�o produzindo qualquer efeito ben�fico para a economia e n�o podendo, por conseguinte, benefiar de um balan�o econ�mico favor�vel. Os seus �nicos efeitos s�o negativos, na medida em que reduzem a escolha dos consumidores, provocam um aumento dos custos e uma redu��o da competitividade da ind�stria, um atraso nas adapta��es necess�rias das empresas e desvantagens no dom�nio da inova��o�.
Tamb�m as quest�es relacionadas com o alargamento foram alvo de natural desenvolvimento ao longo do per�odo coberto pelo XXXI Relat�rio .
Outro aspecto a salientar no contexto comunit�rio de defesa da concorr�ncia deriva do car�cter extensivo do mercado, que se convencionou designar por globaliza��o. Ora, com base nesta realidade pol�tica e econ�mica, a UE procura um quadro de coopera��o internacional e multilateral, onde se inscreve a Organiza��o Mundial do Com�rcio (OMC) .

A.Roque

Recens�o

Griffiths, Martin, e O�Cllaghan, Terry, International relations - The key concepts, London and New York, Routledge, 2002.


�The book is neither a dictionary nor a text book; rather, it combines the strenght of each.�


� primeira vista, poder-se-ia pensar, ao lan�ar um olhar para este livro, que se trata de mais um dicion�rio tem�tico, uma vez que cont�m uma abordagem alfab�tica de mais de cento e cinquenta assuntos, reunidos sob uma �gide abrangente, a saber: a matriz de perten�a acad�mica a um �mbito de ensino, estudo e investiga��o denominado �rela��es internacionais�.
Contudo, a verdade � que, se tais dicion�rios t�m realmente feito uma apari��o alargada, muitos deles com s�lidas tradu��es para portugu�s, todos pertencem de modo claro ao g�nero que lhes serve de identificador; por outras palavras, dicion�rios s�o �locais� de consulta f�cil, circunscrita e breve.
Ora o presente volume (e isto apesar da sua dimens�o claramente destinada ao f�cil manuseio), longe de utilizar o r�pido e sint�tico esgotamento de cada voc�bulo, pratica o recurso ao hipertexto, � moda das enciclop�dias, remetendo o leitor de uns temas para os outros, em detrimento de o satisfazer com respostas breves a quest�es directas.
E se esta metodologia � seguida com efic�cia e desenvoltura, apostando claramente na facilidade de consulta e amplitude potencial do campo de respostas, tamb�m podemos encontrar sobejos motivos de interesse no pr�prio conte�do, pela escolha feita pelos autores quanto aos conceitos, no��es, factos ou organismos e institui��es a abordar � e este ser�, ao n�vel da subst�nncia, o argumento decisivo para a sua utiliza��o por estudantes ou interessados na �rea em quest�o.

A. Roque









quinta-feira, junho 05, 2003

Economia e regula��o: uma perspectiva jur�dica da realidade emergente.

A no��o de regula��o da vida econ�mica pode ser encarada como uma solu��o de recurso para fazer face � inevitabilidade das falhas do mercado ; dito de outra forma, a regula��o surge como tentativa correctora por parte do Estado, numa �poca hist�rica em que o capitalismo � proclamado como modelo �nico organizacional, dada a fal�ncia das experi�ncias socialistas, consideradas durante v�rias d�cadas do s�culo XX enquanto proposta alternativa real � lei da oferta e da procura na qualidade de mecanismo estruturante do sistema econ�mico .
Na verdade, o mercado entregue a si pr�prio, disciplinado por uma intr�nseca �m�o invis�vel� que suportaria toda a mola real da economia, onde a oferta e a procura iriam gerar os pre�os e garantir o indispens�vel lucro, caro � vis�o dos te�ricos oitocentistas do liberalismo, deixou de constituir o modelo de refer�ncia do capitalismo desde a I Guerra Mundial e, de modo mais claro e definitivo, na sequ�ncia da grave crise bolsista de 1929 .
A regula��o da economia �, pois, uma atitude de interven��o do Estado que surge para colmatar os erros do sistema, corrigindo-os ou mesmo (e de prefer�ncia...) prevenindo o seu aparecimento.
Esta forma de interven��o tem tamb�m uma �bvia matriz hist�rica, ligada ao momento de retrocesso do Estado face a uma postura ou qualidade de agente econ�mico: em bom rigor, o abandono da explora��o, por parte do Estado ou de outras pessoas colectivas p�blicas, de grande n�mero de servi�os de interesse geral , no �mbito do movimento de expans�o do sector privado conhecido no continente europeu como privatiza��o ou desregulamenta��o econ�mica, conheceu um surto regulador imediatamente subsequente, com o duplo objectivo de proteger os consumidores e de defender o bom funcionamento do pr�prio mercado .
Em conclus�o, podemos afirmar que a regula��o econ�mica corporiza uma nova �rea do Direito Econ�mico, resultante do desenvolvimento espec�fico da interven��o indirecta do Estado na economia , tornado mais relevante pela vaga de privatiza��es iniciada nos anos oitenta do s�culo passado, a qual foi simultaneamente traduzida na desinterven��o do Estado enquanto agente econ�mico .

1.Introdu��o � no��o de regula��o: regula��o econ�mica e regula��o social.

A regula��o pode ser entendida segundo duas vertentes diferentes, que v�o, ali�s, densificar-se de modo diverso e no contexto de ramos do direito aut�nomos: assim, se a regula��o econ�mica � essencialmente uma mat�ria cujo escopo se integra no Direito Econ�mico, j� a regula��o social tem outras �reas de perten�a, como o Direito da Comunica��o Social, por exemplo .
Em bom rigor e usando a express�o no mais amplo dos sentidos, o objectivo �ltimo de todo o direito �, com efeito, realizar uma eficaz regula��o social, defendendo ideias, valores e princ�pios atrav�s de normas e institui��es pr�prias, integradas no aparelho de Estado . J� a regula��o econ�mica � um campo espec�fico do universo jur�dico, inserido no contexto da atitude dos Estado face � economia, implicando uma clara vontade interventora.



2.Entidades reguladoras: a disciplina legal de enquadramento.

A figura das entidades reguladoras e o tipo de caracter�sticas escolhidas pelo legislador para o modelo a consagrar � de import�ncia fulcral para a efic�cia da regula��o e, em �ltima an�lise, para a pr�pria defini��o do conceito. Na verdade, a doutrina tem dedicado um espa�o significativo � densifica��o das inst�ncias reguladoras, tanto no contexto europeu continental (franc�fono ou italiano, por exemplo), como no mundo de refer�ncia anglo-sax�nica .
No caso portugu�s, a ades�o � figura das chamadas autoridades administrativas independentes tornou-se mais clara com a 4� revis�o constitucional , uma vez que o texto da lei fundamental passou a incluir uma men��o expressa a essa realidade institucional, de resto existente na CRP desde, pelo menos,1989, com a cria��o da Alta Autoridade para a Comunica��o Social, no �mbito das altera��es introduzidas pela 2� revis�o constitucional .
Como nos diz Rodrigo Gouveia* , �os organismos reguladores devem ter uma estrutura adequada � prossecu��o dos seus objectivos e que espelhe os princ�pios sobre os quais deve assentar a regula��o, designadamente a independ�ncia desses organismos, a melhoria da efici�ncia econ�mica dos sectores e a correc��o dos desequil�brios causados pelo funcionamento do mercado, tendo sempre em aten��o os diversos interesses em jogo. Assim sendo, independentemente da estrutura concreta de cada organismo, � importante, quanto a n�s, ter em aten��o dois tipos de preocupa��o: a exist�ncia de um �rg�o consultivo onde estejam representados, de forma equitativa, todos os interesses em jogo e a exist�ncia de um regime de incompatibilidades para os titulares do(s) �rg�o(s) executivo(s).�.
De forma mais geral, o que � que caracteriza uma entidade reguladora, seja ela uma �comiss�o� norte-americana, uma �ag�ncia� brit�nica, um �conselho superior� franc�s ou uma �alta autoridade� portuguesa� ? Em nossa opini�o, � a capacidade de composi��o de interesses no contexto do sector regulado, mediante a capacidade de produzir e fazer cumprir regras, emitir recomenda��es e orienta��es de natureza prudencial, arbitrar eventuais conflitos entre destinat�rios da actividade regulat�ria e interagir com outras inst�ncias cong�neres.
Dito de outro modo, as inst�ncias de regula��o podem ser descritas como entidades com grande poder de interven��o, caracterizadas por graus vari�veis de autonomia face ao Estado e aos regulados, sendo mais decisiva a sua ac��o quanto mais inequ�voca for a independ�ncia org�nica e funcional que revestem . S�o, pois, aut�nticos �garantes das regras�, muito embora grande parte do seu poder resulte mais da capacidade de influenciar os destinat�rios do que da efectiva coercibilidade de que disp�em . O prest�gio associado �s autoridades independentes que desempenham fun��es de regula��o � tanto maior quanto mais transparente for a sua actua��o, no que toca � independ�ncia dos seus membros face a outros poderes (pol�tico e econ�mico, sobretudo).

*V. Gouveia , Rodrigo, Os servi�os de interesse geral em Portugal, Coimbra Editora, 2001.

A. Roque

quarta-feira, junho 04, 2003

Recens�o

Linotte, Didier, e Romi, Rapha�l, Services Publics et Droit Public �conomique, 4�me �dition, Paris, Litec, 2001.

�Le droit public �conomique consiste en la mise en oeuvre, par des voies de droit, de la politique �conomique des personnes administratives. Cette d�finition a l� avantage de rassembler les trois �l�ments formels, mat�riels et organiques propres � l��tude des actes juridiques (...).�

Os autores desta util�ssima obra sobre direito p�blico da economia s�o bastante conceituados no meio acad�mico de express�o franc�fona, detendo uma vasta bibliografia, quer individual, quer em conjunto com outros especialistas (incidente, em particular, sobre quest�es administrativas e constitucionais relevantes no contexto da liga��o entre os diversos ramos do direito p�blico que tocam a juridifica��o da vida da vida econ�mica).
Concebida com evidente preocupa��o pedag�gica, a obra em apre�o parte do fornecimento de conceitos e defini��es basilares para o estudo do tema proposto, sempre entrela�ando o direito econ�mico com o direito administrativo, a partir das no��es de interven��o p�blica e de interesse econ�mico geral.
A estrutura seguida convida o leitor a partir de uma aproxima��o te�rica de car�cter geral, onde se inserem quest�es j� cl�ssicas, como sejam a defini��o de direito p�blico econ�mico e a sua autonomia face a outros ramos da ci�ncia jur�dica, mormente ao direito administratico, a no��o de servi�o p�blico (de import�ncia e actualidade indiscut�veis, em particular na Europa continental � vejam-se, entre n�s, as recentes dificuldades relativas � clara fixa��o do servi�o p�blico de comunica��o social) e as fontes e princ�pios do direito p�blico econ�mico. No entanto, surgem igualmente refer�ncias menos divulgadas pela doutrina portuguesa, como � o caso das autoridades administrativas independentes, cujas natureza jur�dica e virtualidades regulat�rias n�o t�m sido tomadas com grande interesse e profundidade .
Segue-se uma segunda parte virada para o estudo das estruturas de interven��o: do aparelho de Estado propriamente dito (administra��o p�blica em sentido estrito), passamos aos estabelecimentos p�blicos administrativos e �s empresas p�blicas, sem esquecer o movimento das privatiza��es e o fornecimento de servi�os p�blicos geridos por entes privados.
Por fim, os autores prop�em um olhar mais prospectivo, com base no quadro das formas actuais de interven��o p�blica sobre a economia. Assim, neste contexto s�o focados temas como a descentraliza��o, a desregulamenta��o, as preocupa��es ambientais. J� quanto ao enquadramento p�blico da economia, assiste-se a uma incid�ncia sobre a planifica��o e a regula��o da concorr�ncia e das actividade financeiras e monet�rias, sem preju�zo de um �ltimo t�tulo sobre as ajudas do Estado e as respectivas dificuldades dentro do enquadramento comunit�rio.
Dito isto, importa ainda sublinhar alguns aspectos que fazem a obra recomend�vel para docentes universit�rios e discentes avan�ados das �reas jur�dica e econ�mica: sem negar o prest�gio e a vivacidade em regra reconhecidos � produ��o intelectual anglo-sax�nica no dom�nio das rela��es entre o direito, o Estado e a economia, n�o podemos igualmente ignorar o contributo reflexivo avan�ado pelos te�ricos e acad�micos da Europa continental (em particular, dos franceses, alem�es e italianos, tendo em conta a vanguarda que representam en termos das ci�ncias humanas, mormente do direito); em bom rigor, se os horizontes e as perspectivas avan�adas por brit�nicos e norte-americanos s�o enriquecedoras e muitas vezes seminais, a verdade � que a matriz cultural romano-germ�nica continua a pesar no modo de encarar o direito, na forma de prescrever/descrever as fun��es do Estado e a regula��o do mercado, bem como de estabelecer as vias de interven��o directa e indirecta entre aquele e a vida econ�mica no seu todo. Por todas estas raz�es, e pese embora a l�gica globalizadora que tende a favorecer a hipervaloriza��o de pensamentos dominantes, as especificidades dos blocos regionais continuam a determinar o interesse da reflex�o localizada, como encontramos nesta obra.

Ana Roque